quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Oi, mamãe razão!


Não gosto muito de viajar, isso sempre me causa frio na barriga e insônia no dia anterior. Mesmo que a viagem seja para um lugar, que eu sempre vou e sem ao menos pestanejar sei o caminho de ida e de volta, que no caso é o mesmo só que o contrário. Ia viajar de ônibus para Floriano, sozinha e a noite. Apesar da preocupação exagerada da mamãe e da Tia Deda, eu saberia me virar muito bem sozinha. Saberia porque eu já sou grandinha, eu não ia me perder em uma parada do ônibus e nem aceitaria balinha de estranhos.. Com todos esses problemas, eu conseguiria lidar muito bem.


Mas por ser grandinha, eu também já acumulo algumas preocupações de gente grande (ou quase isso) e ser quase gente grande, esse sim era o meu maior problema. Abrigar um duelo interminável dentro de mim, quer dizer da Nina dos pés a cabeça, era algo bastante aborrecedor. Eu ia passar mais de 3 horas no escuro, muito provavelmente sem sono, desacompanhada, ou melhor, acompanhada apenas pelos dois: o coração e a razão – o interminável embate, porque quando se tem 19 anos, tudo que esses dois menos querem é andar lado a lado. Há dias eu adiava esse encontro, usando as velhas táticas utilizadas desde os 13 anos - deitar para dormir somente quando o corpo já está em fase de desmaio e ocupar a mente com qualquer coisa, até mesmo com problema alheio, vale tudo, exceto me atrever a pensar em pensar nos meus próprios problemas.


Inevitavelmente, ia ser hoje! Eu só teria uma única chance, se quem sabe em um golpe de sorte, sentasse ao meu lado um conhecido e florescesse algum assunto habitual e eu obrigatoriamente não precisasse me concentrar em mim, digo: neles. Passaram algumas pessoas desconhecidas e ameaçaram sentar ao meu lado, primeiro um policial – qual assunto eu teria com um? Eu não gosto de policiais, sempre sonho que sou perseguida por um deles, não que eu ande praticando algo de errado, tudo bem que ultimamente eu tenha feito algumas besteirinhas, mas já disse, são besteirinhas, nada que um policial precise me levar algemada, correto? Depois passou uma moça novinha com um bebezinho (guti-guti, coisa linda, bonitinho da mamãe) de colo. Eu adoro crianças, mas não agüentaria escutar um bebê chorando do meu ladinho, isso seria desesperador. Eu tenho pavor a choro de bebês, meu coração dói, minha respiração fica falhada e minha única vontade é correr pra bem longe. Mas para onde eu iria? Bebês... só com espaço suficiente para fuga.


Ninguém sentou ao meu lado e eu já sabia o que me esperava, o acerto de contas iria começar. A razão inquiridora estaria ali, cobrando respostas convincentes para as inconsequentes atitudes do coração. Que tola eu sou! Esqueci de apresentar corretamente os dois duelistas. A razão era a mãe cuidadosa do filho adolescente (rebelde, mal humorado e cheio de espinhas) coração. Os dois se amavam, afinal, formavam uma família, mas existiam tantas oposições de ideias, tantos conflitos, que uma zona de divergência acontecia dentro de mim, com direito a choques violentos e berros ensurdecedores.


A razão era uma mãe um tanto quanto liberal, ela deixava com que o coração agisse livremente, acreditando que somente assim ele poderia alcançar a maturidade, entretanto não se furtava do papel de repreendê-lo, quando a liberdade havia sido utilizada indevidamente. Dessa vez, aconteceu justamente assim, o filho cheio de devaneios agiu com uma pressa irrefletida, a ânsia de garoto se fez presente, a mãe prudente e rígida teve que intervir nas atitudes do filho. O coração não se conformou com a castração da mãe e argumentava com uma coerência de adulto, a mãe defendia com pulso firme uma opinião contrária a do filho. Tantas palavras, tantos gritos, tantas explanações e eles estavam falando da minha vida, do rumo da minha única vida – eles brigavam pela escolha dos caminhos que eu deveria tomar e tudo que eu mais queria era gritar: Já chega!!


Apesar de tentar agir com imparcialidade, não posso negar minha empatia pelo coração, até então, sou apenas filha, entendo o quanto é complicado pensar muito direitinho, quando tudo passa tão rápido, é paft e puft e a gente precisa de uma decisão, de uma iniciativa. Quando dá pra pensar, tudo bem, a gente pensa. Mas nem é sempre, né? E afinal de contas, temos mamãe...

Mesmo quando eu brigo com a minha mamãe, nunca sei quem tá correta de verdade, eu defendo meu lado -que eu não sou besta nem nada- mas eu não sei como seria se eu fosse a mãe, sabe? Muito provavelmente eu agiria que nem a minha mãe, como a vovó deve ter agido com a mamãe e assim regressamente. Da mesma maneira, sei que os dois pensam de acordo com suas respectivas verdades. A mãe razão não quer que o filho coração se machuque por amá-lo demais, ao mesmo tempo não pode impedi-lo de tentar, mesmo que essa tentativa o exponha a transtornos irreparáveis. Toda mãe quer que o filho cresça, mas nenhuma mãe quer que o filho sofra. Mas acaso, já ouviu falar em crescimento sem sofrimento?


Meu coração faz muita burrice e sua mãe razão tenta contornar, às vezes até que dá certo, em outras a lambança fica ainda maior. Então volta o filho arrependido, a mãe tenta dizer que avisou, mas mãe que é mãe acolhe de braços abertos e oferece a barra da saia pra o filho enxugar as lágrimas. Mãe que é mãe não admite que ninguém aponte o erro do filho, ainda que ela mesma tenha consciência disso.


Vim a viagem inteira pensando em como eu tenho encaminhado a minha vida, em quantas circunstâncias eu só ouvi o coração e o quanto ser filha adolescente é complicado, a fase é de libertação, apesar de todo mundo saber que nunca se liberta completamente da mãe. Minha mãe ligou dizendo que eu não deveria descer quando o ônibus parasse, por causa dos perigos existentes na vida blábláblá e lá vão mil precauções... Acho isso a maior bobagem do milênio. Mas hoje, justamente hoje, eu resolvi obedecer, todo os passageiros desceram e eu fiquei parecendo uma abestalhada sentada sozinha. Fiquei porque ainda que minha mãe não esteja com a razão, ela é mais coração, ela é mais Nina. Ela é a parte mais cuidadosa de mim, ela me quer tanto bem... Obedeci e não me arrependo.


Cheguei em casa fazendo birra e falando o quanto ela é bobinha, ela só sorriu e disse: Mas você tá aqui vivinha da Silva. Tá bom pra você? haha Tava ótimo pra mim. Não desci e a mulher que tava do lado esquerdo da poltrona da frente desceu e voltou reclamando da quantidade de bêbados que deram ‘fiufiu’ e falaram meio mundo de obscenidades pra ela, enquanto a bichinha só ia comprar uma coca (cola, né?). Já pensou se fosse comigo? Eu ia no mínino arranjar uma confusão, eu já disse o quanto eu odeio provocações? Eu não ia pensar, mano. Eu ia chegar logo era quebrando tudo. Quem dá psiu pra mim nessa porra aqui, heein? Mamãe tinha razão, foi melhor eu ficar ali sentada quietinha... (Mamãe sempre sabe das coisas!) Caso contrário, talvez eu voltasse mesmo era quebradinha da silva. Não sorri, cara. Não é legal...

Um comentário:

  1. entrei no orkut, fui p o twitter, vi um link la, entrei... por acaso, li.

    Enfim, gostei! E muito!

    Te conhecendo um pouquim mais... na ufpi, e na vida agora.

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