domingo, 4 de outubro de 2009

JOGO HISTÓRICO


Foi em 2000, na final da Copa Mercosul, o time vascaíno terminou o primeiro tempo perdendo por 3 x 0, para o Palmeiras, e no maior jogo de todos os tempos e em toda a história do futebol mundial, o VASCO DA GAMA virou o placar para 4 x 3, com um gol de Juninho Paulista e três de Romário, sendo o do título marcado aos 48 minutos do segundo tempo, não dando chance de reação para o Palmeiras, em pleno Parque Antártica e com um jogador a menos, já que Júnior Baiano havia sido expulso.


Quantos torcedores começaram a torcer pelo Vasco após essa linda lição de garra? Das minhas ótimas lembranças da infância vascaína, essa é especialmente encantadora. “ É hoje! 20 de Dezembro de 2000, final da Copa MERCOSUL e o time da Nina vai jogar” – falas do papai. Tudo que eu mais gostava se reunia ali: meu pai, minha mãe, Vasco, churrasco, paçoca e guaraná Simba (Queria que meus irmãozinhos tivessem incluídos aí, mas eles não quiseram ver o jogo, comeram e foram dormir).


Eu, então, com 10 anos, me desesperava com a apatia do Vasco diante do Palmeiras e de todo aquele estádio lotado gritando pela equipe alviverde. Eu nunca fui muito boa em aceitar torcida contra e poxa, eles tinham o estádio transbordante de ‘verdinhos’ e o time ia pra cima do meu pobre Vasco com tudo, como se diz. 25 jogadores do Palmeiras contra 3 do Vasco – assim me parecia, já que eu não entendia nada de regras ou técnicas, o que me restava era a intensidade com que cada um jogava, de um lado, o Palmeiras em uma final e, do outro, o Vasco em uma pelada depois de um dia de trabalho.

Com um pênalti, o Palmeiras abriu o placar, toda a minha raiva se converteu em angustia e dali em diante, só me restava chorar miudinho a cada gol que o Vasco sofria, meu pai que é botafoguense, mas antes disso é pai, sofria junto comigo e tentava me consolar dizendo: “É futebol, Nina. O Vasco tá fora de casa, é complicado!” . Um, dois, três... Já somavam três gols. Era uma final e embora eu não entendesse muito bem de regras ou técnicas (como já contei), sabia que aquilo era um número quase que insuperável. Eu falei ‘quase’...

Pior do que ver algo que não lhe agrada, é ver algo que não lhe agrada em repetição e além do mais comentado, cruelmente comentado. O “show do intervalo” pisou com sandálias de navalha no meu coração cruzmaltino, não me lembro dos comentários certinho, mas era algo como: “Inacreditável a soberania do Palmeiras frente ao Vasco...”! “Palmeiras coloca as duas mãos na taça!” E eu só pensava: “Não é justo, não é justo...!”. Nesse exato momento o choro ficou barulhento, e fez tanto barulho que mamãe começou a insistir para que eu fosse dormir, segundo ela, já era tarde e o Vasco já havia perdido mesmo, era bom que eu dormisse e esquecesse todo aquele “trágico” jogo, não fazia bem para uma criança ficar se desgastando à toa. Mamãe que sempre apoiou minha torcida nos jogos, por ser um momento de descontração de todas as minhas angustias infantis, achava que aquele jogo representava um sofrimento desnecessário. Mal sabia ela...


Contra a vontade da mamãe, lavei o rosto e voltei rapidinho pra sala, sentei silenciosamente no sofá, tomando a posição de “caramujinho camuflado”, com as pernas pra dentro da camisa do pijama e um olhar forçadamente desconcentrado pra TV – tudo arquitetado para que mamãe não se importasse mais com minha presença. O Vasco voltava a campo e nos primeiros minutos, o time já ensaiava uma reação, um quase gol, ameaças e ataques – eu só suspirava alto, em uma mistura de esperança e cansaço. Milagrosamente saiu um gol, eu não me lembro de ter comemorado, mas meu pai, sim! Papai me sacudia forte e eu mal conseguia tirar as mãos geladas do abraço com as pernas. O Palmeiras voltava a tentar dominar a partida, mas o Vasco contava com o Romário, né? E o baixinho fez o segundo. Dessa vez papai me deu um choque elétrico de apertões e dessa vez meio que comemorei, com um meio sorriso, uma meia cara feliz, quase o empate.


Após o gol, um jogador do Vasco recebeu cartão vermelho e foi expulso. Papai com sua intolerância com falta de disciplina de jogadores, logo reclamou. E naquela situação papai era quem sabia das coisas ali, papai falou que ele ia complicar o time por conta de uma infantilidade, eu me limitava em acreditar piamente. E piava de agonia, mas nada muito exagerado, mamãe podia me dar um cartão vermelho da sala também. E eu não era infantil, pra aquela altura do jogo ser banida - eu não era infantil, entendam. Mesmo com um a menos, o Vasco partiu forte em busca do empate e não é que aconteceu? Papai ficou absolutamente extasiado, confesso que também fiquei eufórica durante alguns segundos, entretanto a minha cara de choro não se desfez, nenhuma palavra pronunciada, só olhares ansiosos e cheios de expectativas trocados com o meu pai, ele só respondia com olhos contentes: “Vai dar certo! Vai dar certo!”.


Acho que meu pai nunca imaginou minha enorme paixão por um time que nem ao menos era o dele, mas isso não o impedia de cruzar os dedos e ficar com a cara mais confortadoramente animada do planeta, só para que eu me tranqüilizasse. Papai que antes torcia exclusivamente por minha causa, se enfeitiçou pela raça demonstrada pelo MEU time e torcia porque achava merecida uma vitória. Éramos dois torcedores enlouquecidos, ele - empolgado na eletrizante partida e eu – chorosa com o coração batendo apertado.


Quando o último gol foi marcado nos acréscimos, papai me abraçou bem forte e dizia emocionado: “Nina, esse teu time é bom mesmo!” Eu chorava sorrindo, um tio vascaíno me ligou pra comemorar junto comigo e mamãe explicou para ele a minha situação: “Aldir, essa menina quase me enlouquece aqui, ainda bem que deu tudo certo. Porque eu não sabia como ela ia dormir hoje, se esse Vasco de vocês perdesse”. Um instante único: meu pai abraçado comigo, mamãe emocionada por minha causa e meu tio do outro lado da linha gritando algo que eu não entendia, mas compreendia como saudações cruzmaltinas.


Eu que sempre tive uma vontade secreta de ‘entrar’ na TV, nunca vi essa vontade tão aquecida quanto naquela noite. Eu queria abraçar todos os jogadores, queria segurar a taça, participar da chuva de papel picado e cantar meu amado hino em um coro entusiasmado. Mãe é mãe, mãe flamenguista de filha vascaína é vascaína, o que prova que ela sempre soube das coisas. Eu era uma criança e os meus ânimos foram ao extremo aquele dia, meus sentimentos foram do ápice da tristeza, para a ponta da mais profunda alegria, e em um desmaio a noite acabou para mim.


Apaguei no sofá da sala e papai me transferiu no colo para meu quarto. Sonhei com os jogadores, com o hino, a taça, o gramado – tudo muito embaralhado, mas existia uma faixa: VASCO CAMPEÃO!... E acordei (ao meio-dia, para não perder o costume) sorrindo, mas sem saber se meu sonho havia acontecido na realidade. Constatei que era verdade (que ótima verdade!), quando na mesa do almoço, papai disse: “Essa menina besta chorando ontem à noite, sempre soube da vitória do Vasco...” Eu só sorria toda orgulhosa para os meus irmãos. E esperava logo que o almoço acabasse, para que eu pudesse me retirar da mesa. “Melhor do que ver algo que lhe agrada, é ver algo que lhe agrada em repetição e além do mais comentado, magnificamente comentado. Eu fui correndo pra TV, não podia perder o Globo Esporte, né? E esse não ia pisar com sandálias de navalha no meu coração, ia só fazer carinho, só carinho... haha”